A montagem cênica de "Negrinha" se refere a legitimação da diversidade, do respeito as diferenças, do repúdio ao preconceito sob qualquer aspecto, num viés de discussão sobre a construção da identidade do negro no final do século XIX, por um literário - Monteiro Lobato, que vem sendo sistematicamente estudado quando se fala de preconceito racial na literatura brasileira. A narrativa está centrada nas agruras de uma menina negra sob a "proteção de uma boa senhora" da Casa Grande. uma "negrinha", sem nome e sem futuro, aprisionada como um fantasma, na casa grande, onde se cultiva a escravidão e o preconceito da 'cor'. Momento crucial na história do Brasil: passagem para o novo regime - a República abolicionista, bem como a representação de suas relações, dos tratos e mandos lançados por diferentes personagens que simbolizam mentalidades institucionalizadas nesse período (D. Inácia, o Reverendo, a criada nova, as crianças-afilhadas de D. Inácia).
Ter estado anos a fio a desconhecer o riso e a graça da existência sentada ao pé da patroa má, das criaturas perversas, nos cantos da cozinha ou da sala, deram à Negrinha a condição de bicho-gente que suportava beliscões e palavratórios, mas a partir do momento em que a boneca aparece, sua vida muda. É a epifania que se realiza, mostrando-lhe o mundo do riso e das brincadeiras infantis das quais Negrinha poderia fazer parte, se não houvesse a perversidade das criaturas. É aí que adoece e morre, preferindo ausentar-se do mundo a continuar seus dias sem esperança.
Na encenação, trabalhou-se com a estrutura cênica 'coringa', ou seja, atrizes que interpretam vários papéis num mesmo espetáculo e também, o mesmo papel sendo interpretado por várias atrizes. No caso de "Negrinha", essa concepção tinha o objetivo de criar um trabalho de construção coletiva, inclusive das personagens, oportunizando que toda atriz desempenhasse o mesmo personagem. Além disso, não concentrar essa personagem em uma atriz branca ou negra.
Unir o fim da escravidão, a percepção do mundo das cores, do engendramento social pela perspectiva de uma pequena escrava foi o desafio criado na construção do espetáculo. é daí que emerge a dimensão poética, lúdica, lírica e fantasiosa, mas também apavorante e cruel de uma história real. Este imaginário oscila entre a sutileza do mundo infantil e a crueldade de como ele pode ser destruído. Negrinha é um trabalho artesanal, voltado para o preciosismo das palavras, objetos, sons e figurinos, para trazer o cheiro, cor e forma e realçar novas nuances dessa história. O caráter eminente interativo sublinha a união proposta entre esses dois tempos: passado e presente. Construir, no trilhar da linguagem cênica, um espaço - seja qual for - onde se fale do presente, onde se reflita, questione, conteste, denuncie, elabore e se expresse opiniões.
A montagem cênica de "Negrinha" está configurada como projeto de extensão e de pesquisa no IFTM - Campus Ituiutaba. Integra as ações do projeto "Estudo de 'Negrinha' de Monteiro Lobato e a Valorização da Cultura Afro", aprovado pelo programa de Institucional de Bolsa de Iniciação Científica Júnior (BIC-Jr / FAPEMIG) - 2011/2012.
Negrinha
"Não sei de onde nascem as idéias, as vontades de dizer palavras, como por exemplo, 'negrinha'. Mas nascem... como nascem os amores, as paixões, os encontros... Assim nasceu Negrinha, que foi gestada por dez meninas, que trazem pra cena pedaços de si - alegrias, emoções, desejos, adolescências, brincadeiras, dúvidas, inseguranças, movimentos, transpirações, tomadas de encantamento e de amor." Michele Soares